Profissional / voluntário / amador /sócio...

No desenvolvimento do meu domínio da língua portuguesa, fui ficando cada vez mais surpreendido com a forma ignorante como muita gente do povo usa a língua portuguesa e, mais surpreendente é a forma como muitos licenciados a ignoram e desvalorizam.  

Algumas das palavras mais incorrectamente usadas no mundo do socorro e emergência, são as que abaixo apresento e cujo significado tentarei explicar, tentando fazer bom uso da língua escrita. 

"Voluntário", não quer dizer que é ou não competente, somente quer dizer que é alguém que exerce uma actividade pela qual não recebe qualquer contrapartida monetária ou outra, que não nos termos da Lei de Enquadramento Jurídico do Voluntariado, o reembolso das despesas inerentes ao exercício dessa actividade, tal como sejam: transporte, alimentação, fardamento e equipamento de protecção individual que não lhe sejam previamente disponibilizados. 

"Profissional", não quer dizer que faz bem ou exemplarmente, muito menos quer dizer que tem competência para o fazer, mas sim somente que exerce uma actividade pela qual é remunerado ou se preferirem assalariado, como alhuns lhes chamam pejorativamente e embora tal termo não exista na lei aboral. Nestes termos não há bombeiros assalariados, somente profissionais ou voluntários, sendo que muitos daqueles a quem chamamos voluntários não o são se observarmos em bom rigor a Lei.

"Amador", não quer dizer  incompetente ou experimentalista, mas sim que é alguém que ama o que faz, que é especialista naquela área a que se dedica por motivação e vocação pessoal. Por exemplo o radioamador é geralmente mais conhecedor das ciências das radiocomunicações do que o profissional de radiodifusão, mas se falarmos do técnico de radiodifusão / radiocomunicação esse é um profissional formado para o exercício daquela actividade, podendo ou não ser competente, tal como o amador.

Podemos assim concluir que se substitui frequentemente a palavra "competente" por "profissional" sem que seja verdade que o profissional seja competente, tal como se substitui frequentemente a palavra "incompetente" por "amador" sem que o amador seja necessariamente incompetente, pelo contrário geralmente o amador dedicado é o especialista, seja lá em radiocomunicações, protecção civil, ou no que quer que seja e, de que existem muitos e bons exemplos que poderia enumerar.

Depois a confusão entre sócio e associado que motivou recentemente um outro meu artigo em que explico que as "sociedades" têm "sócios" e as "associações" têm "associados". Mas isto também não quer dizer que nos estejamos a referir a sociedades comerciais / económicas, pois existem as sociedades cientificas, que têm igualmente "sócios" quando a denominação social  incorpora a palavra "sociedade" e não tenha personalidade jurídica associativa, pois deste modo passa novamente a ter "associados". 

Convém ainda explicar que tal como se observa na Lei de Bases do Enquadramento Jurídico do Voluntariado, a situação de associado não é incompatível com a de voluntário, e que o mesmo se aplica ao associado de uma associação que nela exerce profissionalmente e que até nela acumule função voluntária nessa entidade promotora do voluntariado, desde que para isso sejam escrupulosamente  distinguidos os limites de direitos, deveres, e regalias de cada uma das condições e entre elas não existam sobreposições ou conflitos de interesses.

Observa-se contudo que na actualidade o voluntariado é usado como uma moderna forma de exploração de mão de obra barata ou mesmo gratuita, e que é responsável por uma significativa percentagem da taxa de desemprego em Portugal, porque, onde um voluntário faz sem receber pelo seu trabalho, é menos um posto de trabalho para alguém que dele necessita. Infelizmente o altruísmo de uns e a benevolência de outros associados à exploração por parte de gente sem escrúpulos, transformou o voluntariado numa forma de trabalho subordinado e sem justa contrapartida, aquilo a que se denomina de escravidão.
Quando um qualquer Governo  diz estar a investir nos incentivos ao voluntariado nos bombeiros, está na realidade a promover o desemprego, a precariedade e a mendicidade, pois esta é uma actividade essencial ao quotidiano das sociedades civis desenvolvidas, pelo que deve obrigatoriamente ser remunerada (profissional), e bem remunerada porque exige competência.  Mas aqui entramos noutro dilema, e sim a incompetência que se observa muitas vezes resulta da falta de investimento em formação adequada e, de indissociável remuneração que possibilite a esses profissionais uma vida condigna que não determine que quanto está a socorrer alguém esteja preocupado como tem de pagar as suas contas, por vezes dívidas acumuladas, o que gera frequentes desvios comportamentais pouco éticos ou mesmo reprováveis . O povo sabe disso, e por isso alimenta a mendicidade dos Bombeiros, sejam eles verdadeiros ou pseudo voluntários, alimentando assim a falta de qualidade no serviço prestado e de qualidade de vida por quem o presta.

O Voluntariado é fundamental nas sociedades modernas, mas somente na resposta complementar insustentável para estrutura governamental e somente em áreas e situações de emergência, calamidade, catástrofe, de outro modo estamos a desresponsabilizar a estrutura governamental da sua responsabilidade implícita

Mas falemos agora de "responsabilidade"...
Este é outro dos termos frequentemente deturpados e confundidos com "culpa", mas na realidade responsabilidade quer dizer que é responsável por, ou seja que se algo correr mal paga para reparar o que aconteceu, danificou, ou ficou mal feito. Habituámos-nos à deturpação desse termo na política, onde todos sabemos que não existe "responsabilidade" e, talvez por isso lhe chamem "responsabilidade política", uma espécie de responsabilidade faz de conta. Na realidade o que por vezes mas raramente acontece, é alguém da classe política assumir a "culpa" a que chama "responsabilidade política", mas que na realidade não é "responsabilidade" porque não paga por isso, não reembolsa os cofres do Estado pelo prejuízo causado, ou seja, na realidade aquilo a que chama "responsabilidade política" é o assumir de culpa com esquiva à responsabilidade criminal que também ela se resume a pagar preferencialmente em dinheiro sem prejuízo do "castigo" acessório que o juiz entenda aplicar sob a forma de pena.  

Conclua-se então que:
  • Bom profissional não é necessariamente profissional competente, mas sim bem remunerado.
  • Bom voluntário  não é necessariamente competente, mas sim bem explorado.
  • As associações não têm sócios, mas sim associados.
  • A responsabilidade não é o que parece e raramente existe na classe política. 
  • Muitos licenciados falam e escrevem pior que muitos sem "canudo". 
  • O povo anda pela sua língua falada e escrita  a ser traído e enganado, porque anda distraído, incauto, e assim é burlado.

Digo eu, que não percebo nada disto!

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