Fazer Pré-Hospitalar com um implante coclear...

Após 18 anos de espera a cirurgia chegou finalmente e com ela um conjunto de incertezas e um processo de transformação irreversível mas que se espera seja para melhor.
Sou aos 46 anos uma espécie de cyborg, indissociável do implante coclear (IC) e sua prótese externa que se por um lado se assemelha a um auricular, por outro a antena magnética no couro cabeludo não deixa dúvidas. Ao fim de mais de 30 anos de progressiva perda auditiva voltei a ouvir sons como o despertador do relógio de pulso, os pássaros, o toque do besouro de porta aberta ou para colocar o cinto no automóvel, entre tantos outros. Acredito que este será o fim de inúmeros constrangimentos com que tive de lidar aos longo de muitos anos, nomeadamente a dificuldade de socializar publicamente para não estar constantemente a dizer que não ouvia ou ser alvo de jôco pela não audição.
Mas falta a adaptação profissional e, ainda nem sei bem por onde começar. O primeiro passo é adaptar o suporte de modo a que impossibilite a prótese saltar do ouvido nos treinos de resgate vertical por cordas, ou noutras atividades em que sou formador, o socorrismo entre outras. A mesma preocupação em relação as brincadeiras com os meus filhos mais novos. 
Mas, há dias num serviço de prevenção, assistência e socorro pré-hospitalar em eventos, deparei-me com um obstáculo que até já me tinha ocorrido pudesse vir a acontecer, a colocação do estetoscópio num ouvido que ouve algo e outro cujos sons não são captados no pavilhão auricular mas sim por detrás deste, o que implica agora ou usar para esse fim uns auscultadores de grande dimensão ligados ao electroestetofonendoscópio que já possuía, ou colocar um vulgar estetoscópio de uma forma algo estranha para quem observa. O que ainda estou a pensar na forma de ultrapassar é o uso de capacetes, simples bonés ou outros chapéus, já que se não fixar a antena emissora da prótese por exemplo com  um lenço, é arrastada e solta-se da cabeça. Provavelmente terei de fazer adaptações mas por ora recorro mesmo ao lenço para não deixar cair a antena. Talvez isto esclareça algumas pessoas que recentemente me observaram de lenço camuflado na cabeça.
Não sei se existe em Portugal mais algum "Socorrista" com implante coclear, mas se existe gostaria de saber como ultrapassou todos estes constrangimentos. Sei que existem alguns nos EUA e no Canada, mas lá existem equipamentos adaptados por medida a custos acessíveis, o que cá não é uma realidade. Trata-se portanto de um novo desafio e mais uma fonte de despesas com que terei de lidar.
Tenho encontrado outros implantados, crianças e jovens. Ontem mesmo em Queluz cruzei-me com um jovem de vinte e poucos anos implantado há 6 anos e claro que tentei obter junto do mesmo algumas informações, pior acaso muito esclarecedoras e motivadoras. Creio por isso estar numa fase de adaptação para uma vida melhor, onde me tornei menos sociável por não compreender praticamente nada do que é dito em grupo ou com outros ruídos misturados. De dia para dia sinto diferença e por vezes já compreendo algumas palavras do lado implantado, ontem por exemplo quando fui ao encontro dos meus filhos e netinha num espaço público, ouvi de entre todo aquele ruído uma voz muito "fininha" que gritava "pai, pai, pai", e logo me elevou o ânimo deste longo processo de adaptação iniciado na meia idade. Mas sempre me considerei resiliente e, por isso vivo um dia de cada vez tirando  de cada dia o proveito possível, com alguma irritabilidade pontual  e variações de humor, inerentes a qualquer nova experiência com constrangimentos.
O que me comoveu mesmo foi uma menina de 5 anos de idade, implantada há meses e a compreender tudo sem dificuldade, confesso que me comovi.
Tenho um amigo e ex camarada da Cruz Vermelha, ora Bombeiro e também ele Técnico de Emergência Médica, em lista de espera para implante coclear, e espero não só que não tenha de esperar tanto tempo, como poder dar-lhe algumas dicas na fase de adaptação que certamente lhes possibilitará voltar a fazer o que tanto gosta com mais autonomia.
No final da década de 90 conheci um Bombeiro nos municipais de Leiria que também era tripulante de ambulância INEM e, que sofria de perda auditiva profunda de um dos lados, espero que tenha tido a sorte de ter acesso ao IC, ou que alguém o informe desta possibilidade.
 
Gostaria de agradecer publicamente à equipa médica constituída pela Assunção O´Neill, ao Pedro Escada, à Ana Nascimento, à Mariana Donato e todos os outros profissionais de saúde do Hospital Egas Moniz envolvidos nesta cirurgia, sem esquecer o  João Almeida. A todos o meu agradecimento público.
Lamentando o tempo de espera, extravio de processo na lista de espera e todos os demais constrangimentos até então,  quero aqui agradecer ao atual Governo da Republica Portuguesa, o desbloqueio dos implantes cocleares, cujas as verbas que os viabilizam estiveram condicionadas durante  todo o mandato do anterior Governo e que, estou certo de muito contribuírem para  que muitos cidadãos voltem a sorrir e, a concretizar as suas aspirações pessoais e profissionais.
A todo o meu MUITO OBRIGADO!

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