UM RADIOAMADOR SEM RÁDIO VAI NÚ

Um radioamador sem rádio é como aquele sonho em que nos sentimos nus e, na realidade sem rádio, o radioamador despe-se daquilo que o caracteriza como radioamador. Está na moda dizer que o radioamador é a salvação quando tudo falha nas radiocomunicações, mas, quantos radioamadores andam permanentemente com o seu rádio portátil, móvel, ou têm a sua estação fixa operacional?
Estou-me a imaginar perante uma situação de catástrofe a que sobreviva, e tenha deixado o meu rádio em casa que ruiu ou no carro que a água levou e, a dizer a alguém: sou radioamador! Hehehehe caricato não é? Estamos de acordo.
O objetivo deste meu curto escrito é precisamente o de sensibilizar os colegas radioamadores vocacionados para intervir em emergência de que, não só são úteis como radioamadores acompanhados do rádio à cintura, preferencialmente com antena comprida e bateria de reserva ou mesmo carregador solar ou gerador de manivela, mas se o tiverem podem fazer toda a diferença.

Recordo hoje com ironia do destino de uma das minhas intervenções como radioamador mais criticadas na altura até por um militar da GNR hoje dirigente associativo de uma associação de radioamadores e que passo a partilhar convosco embora muitos já conheçam a história. Certa tarde de verão seguia eu na camioneta da Rodoviária Nacional de Tercena para Caxias, onde ia apanhar o comboio rumo à unidade militar onde prestava serviço e, presencio a ocorrência de uma lipotímia (vulgo desmaio) em homem que deveria ter os seus 40 anos. Os sinais e seu aspeto debilitado levou-me a suspeitar de doença crónica que se viria a confirmar e, perante isto, consciente de que sem meios adequados pouco poderia fazer quis chamar uma ambulância, mas, naquele tempo os telemóveis custavam mais de 1000 contos e eu não tinha um, nem como carrega-lo às costas com a minha frágil constituição física, mas tinha o meu radio de amador (um Yasesu FT411E com placa de tons) e, como curioso que era, sintonizei-o na frequência e tom de proteção da GNR e chamei o posto territorial de Caxias (que hoje já não existe sequer o edifício junto à estação da CP), pelo seu indicativo (Lima 253.8) e identificando-me como "estação não identificada". Prontamente à 2ª chamada um militar daquele posto me respondeu, ao que expliquei a situação e solicitei ativação de ambulância para a ultima paragem, a estação ferroviária de Caxias. Chegado à estação lá estava a ambulância e a vítima diabético e insulinodependente foi então conduzida ao Hospital. Para além da ambulância à espera estava também um militar da GNR que me pediu que o acompanhasse ao posto e assim fiz. Chegado ao posto fui recebido por um segundo sargento que quis elaborar relatório sobre a ocorrência e me elucidou de que poderia vir a ter problemas, pelo que invoquei a Lei de Bases de Radiocomunicações e o direito de ultrapassar as regras quando esteja em causa a salvaguarda de vidas ou bens. No mesmo dia à noite, atento ao SITREP como um religioso ao terço na RR, lá segui na relação de serviços para o comando territorial a informação da minha intervenção. Medo!!!
A informação chegou à entidade fiscalizadora, a Direção dos Serviços Radioelétricos dos CTT, que se a memória não me atraiçoa, nunca sequer me inquiriu sobre o assunto.
Durante anos tive receio de ficar sem licença de radioamador, mas nada aconteceu e já lá vão mais de 20 anos mas, a questão que me coloco frequentemente em relação a estas e tantas outras situações semelhantes que vivenciei é: e se eu não tivesse ali o meu rádio de amador?   Teria sido possivel contribuir para salvar uma vida.
Mais tarde encontrei o mesmo senhor na Praia da Giribita em Caxias, não me reconheceu e também não me dirigi a ele, mas saber que estava vivo fez-me sentir útil como pessoa e, como radioamador! Voltaria a repetir tudo de novo.

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João Paulo Saraiva

CT1EBZ / DELTA1

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